A Força da Não-Retaliação: Por que "Virar a Outra Face" é um Ato de Resistência, e não de Passividade
"Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra" Mateus 5:39.
"Dê a sua face ao que o fere; farte-se de afronta." Lamentações 3:30.
As palavras de Yeshua de Nazaré, especialmente o famoso "se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra", são frequentemente compreendidas de forma equivocada. Muitos as interpretam como uma exortação à passividade, um chamado para que a vítima de opressão se submeta silenciosamente ao agressor. Essa leitura, no entanto, coloca a pessoa injustiçada sob um jugo ainda maior, perpetuando o ciclo de opressão ao desarmá-la não apenas de meios físicos, mas também de sua dignidade e direito de buscar justiça.
Mas e se o ensinamento de Yeshua for, na verdade, um ato radical de resistência? E se, longe de ser um convite à submissão, ele for um caminho de força e de fé que desafia o mal, em vez de o tolerar? Para compreender essa profunda verdade, é preciso traçar um paralelo histórico e profético com o contexto daquele que veio antes: o profeta Jeremias.
O Paralelo Profético: Jeremias e Yeshua.
À primeira vista, o profeta Jeremias e Yeshua parecem figuras muito diferentes. Jeremias, o "profeta chorão," viveu em um tempo de iminente catástrofe nacional, quando o Reino de Judá estava prestes a ser aniquilado pelo Império Babilônico. Yeshua, por sua vez, viveu séculos depois, sob o jugo do Império Romano, em um momento de intensa expectativa messiânica e debate sobre a libertação de Israel.
No entanto, o paralelo entre os dois é notável. Em ambos os contextos, a opressão estrangeira era vista não apenas como uma questão política, mas como um resultado do juízo divino sobre a corrupção e a desobediência do próprio povo de Deus. Jeremias insistiu que a resistência armada aos babilônios seria inútil e uma afronta a Deus, pois Ele mesmo estava usando a Babilônia como instrumento de punição. O caminho era a humilhação, a rendição e o Teshuvá — o arrependimento e o retorno a Deus.
Yeshua ecoou esse mesmo princípio. Em um tempo em que os Zelotes pregavam a insurreição armada contra Roma, Yeshua ofereceu um caminho diferente. Ele não se opôs à opressão com espadas, mas com um chamado ao arrependimento individual e coletivo. O ensinamento de "virar a outra face" não era para tolerar o mal, mas para resistir a ele de uma forma que transcende a violência, seguindo a lógica de Jeremias de que a verdadeira vitória não viria de uma força humana, mas de uma profunda submissão ao plano divino.
A Nova Lógica de Yeshua: Resistência, não Passividade
Compreender o ensinamento de Yeshua requer que o vejamos não como uma ordem passiva, mas como uma estratégia de resistência moral. O ato de "virar a outra face" é um desafio direto ao agressor. No contexto judaico da época, uma bofetada na face direita com a mão direita seria um insulto, um ato de humilhação. Ao oferecer a outra face, a vítima recusa-se a aceitar essa humilhação. Ela se recusa a ser um mero objeto de escárnio.
Essa atitude declara: "Eu não entrarei no seu jogo de violência. Eu sou maior do que a sua afronta. A sua agressão não pode tirar a minha dignidade, pois ela vem de Deus." Em vez de alimentar o ciclo de ódio, a vítima o desativa com um ato de força interior e confiança em Deus. O opressor, acostumado a uma reação de medo ou fúria, é confrontado com algo inesperado, que o força a encarar a natureza de sua própria maldade.
O Triplo Caminho da Resposta do Crente.
Baseado nesse entendimento, a pessoa que teme a Deus e enfrenta a injustiça e a opressão tem três respostas esperadas, que se complementam para formar um caminho de fé e de ação:
1. Rejeição da Vingança Pessoal
A primeira resposta é a do coração. O crente se recusa a entrar no ciclo de retaliação. Ele não busca a vingança pessoal, pois entende que a ira humana não produz a justiça de Deus. Essa decisão é um ato de Teshuvá, um retorno a um estado de pureza interior que o protege de ser corrompido pelo ódio e pela amargura.
2. Busca Ativa por Justiça
Longe de ser passivo, o crente é chamado a ser um agente de justiça. Isso significa usar canais legítimos para lutar contra a opressão. Pode ser através da denúncia de injustiças, do uso de sistemas legais, do apoio a movimentos de defesa dos direitos humanos, ou do serviço aos mais vulneráveis. Assim como Yeshua confrontou os cambistas no Templo e denunciou a hipocrisia das lideranças, o crente deve buscar a justiça ativamente, mas sem recorrer à violência.
3. Confiança no Juízo Divino
O caminho final é a confiança plena no Eterno. O crente sabe que, mesmo que a justiça humana falhe, a justiça de Deus não falhará. Ao abrir mão da vingança pessoal, ele não abandona a justiça, mas a entrega ao Juiz perfeito. É essa fé inabalável que permite à pessoa que sofre injustiça continuar sua luta sem desespero e sem ódio, sabendo que a retribuição final pertence a Deus.
Em conclusão, a verdadeira mensagem de Yeshua em Mateus 5:39 não é um chamado à passividade, mas a um ato de profunda resistência espiritual que rejeita o ódio, busca a justiça e confia que a vitória final sobre o mal é de Deus.
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