O Evangelho aboliu o sacrifício?

É muito interessante o enfoque que muitos pregadores destacam quando anunciam o evangelho de que não precisamos mais de sacrifícios, já que Jesus foi o sacrifício perfeito. Como se houvesse alguma grande vantagem em não haver mais tal necessidade.

Há ainda aqueles que, ao se oporem à validade da Torá para os crentes no Messias, argumentam que os sacrifícios do Templo são dispensáveis, como se a Torá se resumisse apenas a eles.

No entanto, essas alegações revelam uma falta de compreensão sobre o que são, de fato, os sacrifícios e qual a sua verdadeira ligação com o Evangelho.

Na Carta aos Hebreus, especialmente no capítulo 10, o autor apresenta uma referência crucial que, muitas vezes, não é bem compreendida.

Primeiramente, é importante ressaltar que nem todos os sacrifícios realizados no Templo eram para a expiação de pecados. Em Levítico, somos apresentados a diversos tipos de ofertas: holocaustos, sacrifícios de paz, de cereais, ofertas específicas para votos e purificação, além dos sacrifícios pelo pecado e pela culpa.

Cada tipo de sacrifício tinha um propósito específico e era realizado de forma particular, com significados relacionados à adoração, ao perdão, à ressurreição, entre outros.

É fundamental destacar que o foco do autor de Hebreus é exclusivamente no sacrifício de expiação do pecado e da culpa, e ele explicitamente não aborda os demais tipos de sacrifícios.

Um outro detalhe interessante é que encontramos referências a todos esses sacrifícios antes de Levítico, com exceção dos sacrifícios de expiação pelo pecado e pela culpa. Não que os demais não refletissem a ideia de expiação, mas apenas em Levítico encontramos um tipo de sacrifício destinado exclusivamente para esse propósito.

Nesse sentido, precisamos entender melhor o conceito de expiação. O termo hebraico kaparah (כָּפַרה) não significa "pagar por pecados", mas sim "cobrir", "proteger" ou "purificar".

Os animais usados nesses sacrifícios não representam um pagamento, mas sim o próprio ofertante. Quando a pessoa colocava as mãos sobre a oferta à porta do Tabernáculo e confessava seu pecado, aquele animal era oferecido em substituição a ela. Ao ser sacrificado, o sangue da oferta era recebido como uma cobertura sobre o ofertante.

Todo esse cenário aponta para uma mensagem fundamental: por causa do pecado, a humanidade está sujeita a experimentar a morte.

No caso do sacrifício pelo pecado, a oferta morria no lugar do ofertante, e isso aponta diretamente para a obra do Messias, conforme profetizado em Isaías 53:

"Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados." ... "Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do SENHOR prosperará na sua mão." (Isaías 53:5;10)

A conexão entre o sacrifício do Messias e o sacrifício pelo pecado é explícita. Não se trata de uma anulação, mas de um cumprimento pleno de um no outro.

Em outras palavras, o sacrifício de expiação pelo pecado em Levítico tinha um alcance limitado e uma incapacidade natural, como explica o autor de Hebreus no capítulo 10:

"Porque, tendo a lei a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem cada ano, pode aperfeiçoar os que a eles se chegam." (Hebreus 10:1)

Se o sacrifício levítico fosse a plenitude, uma vez oferecido, o ofertante não teria mais a necessidade de outros sacrifícios; sua natureza seria transformada e ele nunca mais pecaria.

O autor da Carta aos Hebreus aponta para o sacrifício do Messias como a realidade que estava figurada no sacrifício levítico. O sacrifício de Yeshua foi realizado uma única vez, provendo uma expiação eterna.

Nesse sentido, o sacrifício de Yeshua substitui o levítico porque leva seus conceitos à plenitude, sem anular sua mensagem. Conhecer melhor o sacrifício levítico nos leva a uma compreensão mais profunda do sacrifício do Messias.

Um exemplo dessa ampliação na compreensão é justamente o conceito de "morrer com o Messias para ressuscitar com o Messias" (Romanos 6:8).

Aquele que lança mão de confiar no sacrifício do Messias para expiação pelo seu pecado deve estar também disposto a morrer para suas paixões pecaminosas, como está escrito:

"E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências." Gálatas 5:24.

Mas a mensagem mais importante que podemos aprender com o sacrifício levítico, como figura do sacrifício de Yeshua, está na nossa expectativa futura.

O autor de Hebreus aponta a limitação do sacrifício levítico no fato de a natureza do ofertante não ser transformada, o que tornava a repetição dos sacrifícios anual.

Nós, que hoje cremos no Messias, ainda vivemos uma situação semelhante. Embora creiamos no sacrifício de Yeshua para a expiação dos nossos pecados, ainda lutamos contra nossas imperfeições e falhamos em nossa busca por santidade.

Então, qual a diferença?

A principal diferença está no fato de que Yeshua, após ter se oferecido em nosso lugar, ressuscitou e trouxe à natureza humana a perfeição, na ressurreição de seu próprio corpo.

A ressurreição do Messias torna seu sacrifício plenamente eficaz para, da mesma forma, aperfeiçoar todos aqueles que creem em seu nome, no dia da ressurreição dos justos.

A prova disso é a ressurreição da nossa alma que experimentamos no momento da nossa conversão.

O recebimento do Espírito Santo que experimentamos é uma pequena demonstração do que viveremos com o retorno do Messias e a ressurreição dos justos.

Yeshua é o sacrifício pelos nossos pecados, e quem tem essa consciência não precisa apresentar outros sacrifícios por seus pecados, pois vive na expectativa de experimentar a redenção do nosso corpo e a plenitude da nossa redenção.

Que o Eterno nos abençoe!

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