A consequência direta do antissemitismo que se instalou nas
comunidades cristãs desde os primeiros séculos foi uma visão distorcida da
Torá. Devido à Torá ter sido outorgada ao povo de Israel, sendo este o maior
legado do povo judeu ao mundo, a prática da Torá é associada à “práticas
judaizantes”. Por isso a Torá tem sido abolida dos meios cristãos. Mesmo nos
círculos puritanos, onde se declara que a Lei não foi abolida, em prática
anulam seus efeitos por causa desta visão distorcida dos Escritos Sagrados.
Precisamos entender acima de qualquer coisa que a Torá foi
dada pelo Eterno ao povo de Israel. A autoridade da Torá está no próprio
Eterno. Apesar de ser designada como “Lei de Moisés”, a autoridade de cada
letra da Torá é do Eterno, e não de Moisés.
Esse é um elemento base da fé protestante, a integralidade
das Escrituras como Palavra de Deus. O problema é que na prática a maioria dos
crentes negam a autoridade da Torá em aspectos simples do que ela recomenda.
Primeira distorção: A Torá foi dada para Salvação.
Essa primeira distorção é na verdade uma distorção dupla.
Primeiro houve a distorção do que é a Salvação. A imensa maioria dos crentes
entendem “Salvação” como sendo o ingresso aos céus após a morte, mesmo que não
haja um único versículo em toda a Escritura, que aponte para essa esperança.
A Salvação que temos em Yeshua é sobretudo a reconciliação
com o Eterno, e a comunhão com seu Espírito, o que resultará na ressurreição
para uma vida Eterna, num mundo governado por Yeshua, que findará em uma união
com os céus.
A partir de uma visão equivocada da Salvação, desenvolveu-se
outra distorção, a da necessidade de obediência para alcançar os céus após a
morte.
A imensa maioria dos protestantes professam o texto de
efésios “pela graça sois salvos”, mas quando aprofundamos o entendimento do que
seria a “vida cristã”, a mesma maioria associa a necessidade de algum nível de
obediência para que a salvação possa ser alcançada, ou evidenciada, como dizem.
Por consequência há a necessidade de abolir muitos preceitos
da Torá, pois o obedecer toda a Lei é algo impossível a qualquer ser humano. O
pensamento que se desenvolve a partir dessa premissa então é a seguinte: “Jesus
cumpriu toda a Lei, então não precisamos mais nos preocupar com ela. Precisamos
cumprir apenas o que Jesus nos mandou: amar a Deus e ao próximo”.
Sobre essa distorção precisamos resgatar que: A Torá não foi
dada para Salvação, mas foi revelada a um povo Salvo!
A Torá só foi revelada depois que Israel cruzou a seco o mar
de Suf, sendo libertos do Egito, tendo uma experiência pessoal com o Eterno.
Sim, experiência pessoal de Salvação. Cada israelita foi salvo pelo Eterno sem
nenhum mérito, apenas e unicamente pela Graça e Misericórdia do Eterno. Cada
israelita ouviu com seus próprios ouvidos a voz do Eterno no monte Sinai, e
viram com seus próprios olhos a manifestação grandiosa do Eterno.
A Torá é para os Salvos e não para Salvação!
O propósito da Torá é instruir o salvo a andar no caminho da
justiça, frutificando ao Eterno com bons frutos, demonstrando amor tanto por
Deus como pelo próximo. Sim, amar a Deus e ao próximo é um mandamento da Torá.
Vemos na própria Torá que muitos dos que foram salvos pelo
Eterno não perseveraram no caminho da salvação, rejeitando a Graça do Eterno,
rebelando-se contra sua autoridade e seus desígnios, e o fim para esses foi a
condenação. Mas o parâmetro para a salvação nunca foi a obediência à Torá, mas
sim o manter-se em comunhão com o Eterno.
Segunda distorção: Os apóstolos substituíram a Torá por
outras Leis.
A leitura que fazemos das cartas de Paulo, principalmente a
carta aos Gálatas, é fruto de outra distorção. A de que a obediência à Torá é
um erro, que agora temos outras leis a seguir.
O que os apóstolos combateram com toda a veemência não foi a
obediência à Torá, mas o legalismo. O termo usado por Shaul (Paulo) em Gálatas
é “erga nomos” que é melhor traduzida como “sob o legalismo” e não “sob a lei”.
Lendo atentamente os primeiros versículos de Atos 15 vamos
perceber que houve um grupo dentro da comunidade messiânica do primeiro século
que queria impor a obediência à Torá para a salvação dos gentios. Sim, a
premissa que estudamos na primeira distorção nasceu deste grupo. Haviam judeus
que entendiam que era a obediência à Torá que reconciliava o homem com o Eterno.
O legalismo é um veneno para a fé, pois impõe um julgo que é
impossível ao homem carregar.
O que os apóstolos defendem é que a obediência à Torá,
principalmente pelos gentios, deve ser fruto de entendimento e fé. Ou seja,
conforme o gentio aprende sobre a Torá ele tem a liberdade de aplicar seus
preceitos em sua vida. Mesmo assim os apóstolos estipularam princípios da Torá
que deveriam ser obedecidos imediatamente por todos que professam sua fé no
Messias: fugir da idolatria, fugir da prostituição, abster-se do sangue
inocente, e não comer carne sufocada (Atos 15:19-21).
A Torá deve ser aprendida e colocada em prática com
entendimento e fé, e nunca por imposição ou obrigação. O Espírito do Eterno é
quem conduz o verdadeiro salvo neste aprendizado.
No contexto correto, salvo é aquele indivíduo que está em
comunhão com o Eterno, que recebeu de sua Graça e está buscando viver em
Justiça. Sendo cheio do Espírito do Eterno o salvo será guiado pelo Eterno no
conhecimento de sua palavra, e terá prazer em fazer o que é correto, o que
agrada ao Eterno. Para esse a obediência não é um peso, mas um prazer.
Os apóstolos não deram outras leis, mas ensinaram sobre a
Torá, seus princípios, combatendo os desvios propagados na época por grupos de
judeus incrédulos.
Terceira distorção: A Torá é apenas para Israel!
A Torá diz que a mesma Torá seria dada ao judeu e ao
estrangeiro (Números 15:15). A verdade é que a Torá traz instruções específicas
para certos grupos de pessoas. Existem mandamentos específicos para homens,
mandamentos específicos para mulheres, mandamentos específicos para judeus e
mandamentos específicos para gentios. Mas é a mesma Torá para todos.
As Escrituras fazem apenas uma separação entre os judeus e
os gentios. E não é o que da Torá os gentios devem guardar, mas quando o gentio
irá guardar a Torá. A verdade é que todo o salvo um dia guardará toda a Torá,
pois na ressurreição a Torá será escrita no coração e na mente de todos os
servos do Eterno. (Jeremias 31:33-34).
A vantagem de quebrarmos essas distorções, e abrirmos nosso
coração para os ensinos da Torá, é o que a Torá produz na vida do servo de
Deus. A Torá produz Vida! (Ezequiel 20:11).
A Torá é para todos que amam ao Eterno e querem serví-lo.
Quarta distorção: A Torá é apenas cerimonias já
ultrapassadas.
É verdade que a Torá apresenta alguns ritos, muitos deles
ligados ao serviço no Templo, e por isso mesmo esses ritos não são mais
praticados atualmente, visto que não temos mais o Templo. Mas em todos esses
cerimoniais existem princípios espirituais ricos, e atuais.
As festas são atuais. Shaul diz aos Colossenses que eles
haviam sido “circuncidados” por Yeshua, e por isso ninguém poderia julgá-los
por celebrar as festas (Colossenses 2), e ainda incentivou os Corintos dizendo
“façamos a festa” referindo-se à Pessach (1 Coríntios 5:8).
Aos Colossenses Shaul diz que as festas são “sombras”, ou
seja, “imagens” de coisas vindouras. Quando Shaul escreveu isso Yeshua já tinha
morrido e ressuscitado. Mesmo assim Shaul afirma que as festas são imagens de
coisas futuras. As festas são o mapa que o Eterno nos deu para compreendermos o
seu propósito de restauração de toda a criação.
O Eterno instituiu as festas para que essas verdades fossem
implantadas em nossa consciência, de maneira a renovarmos nossa fé a cada
celebração. Tão importante eram as festas que o livro de Atos está recheado de
passagens em que os apóstolos celebram as festas.
Em Atos 2 o Espírito Santo é derramado em meio a festa de
Shavuot.
Em Atos 10 o centurião Cornélio é visitado pelo anjo
enquanto vazia as orações da minchah (preces da tarde).
Em Atos 16:13 Paulo reúne para as orações do shabat.
Em Atos 20:6 Paulo aguardou o fim da festa de Matzot para
prosseguir sua viagem.
Em Atos 20:7 Paulo celebra a Havdalá de Shabat. A expressão
em grego “mia ton sabaton” foi traduzida para “no primeiro dia da semana” de
forma totalmente equivocada.
Em Atos 21 Paulo é preso em Jerusalém, estando no Templo,
fazendo as celebrações da entrega dos votos de nazireado.
Em Atos 28:17 Paulo declara que nada fez contra a Torá e as
tradições do povo de Israel.
Os exemplos acima apenas demonstram o quão os aspectos
cerimoniais da Torá eram considerados praticáveis e atuais pelos apóstolos.
O que precisamos fazer como servos de Deus é abrir os nossos
corações para a Palavra do Eterno. Não estou a dizer que todos devem agora
celebrar as festas, guardar preceitos alimentares, sábados.
Não, a proposta desse artigo é romper com o legado do
antissemitismo cristão, abrindo o coração para o estudo da Torá, dentro do
contexto correto, e deixar ser guiado pelo Espírito do Eterno, para que essa
Torá seja escrita em nossos corações e mentes.
Necessitamos de restauração. As comunidades cristãs estão a
muito tempo buscando restaurar os princípios de nossa fé. Desde a reforma
estamos buscando as verdades bíblicas. Se hoje temos batistas, presbiterianos,
metodistas, pentecostais é porque cada grupo se apoiou a algum aspecto da
verdade. Mas essa busca não nos trouxe unidade.
Somente quando a igreja se libertar de todos os entraves que
nos separam da aceitação plena da Palavra do Eterno é que a Verdade produzirá
em nós a convergência necessária. Yeshua disse: Conhecereis a Verdade, e a
Verdade vos libertará! Yeshua é a Verdade, ele é a Torá que se fez carne.
Yeshua não veio trazer outra Torá, ele mesmo disse: “não
penseis que vim destruir a Lei ou os profetas, não vim abolir, mas cumprir”.
Ora, se Yeshua que é nosso Senhor se sujeitou à Torá, porque nós que somos seus
discípulos resistimos à Torá?
Na sequência Yeshua disse:
“Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor
que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus;
aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus.
Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus,
de modo nenhum entrareis no reino dos céus”. Mateus 5:19,20.
E Yeshua também disse:
"Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim;
porque de mim escreveu ele. Mas, se não credes nos seus escritos, como crereis
nas minhas palavras?" João 5:46,47.
Deixemo-nos ser guiados pelo Espírito do Eterno, no
conhecimento da Torá, para que a Torá do Espírito de Vida, nos liberte da Torá
do pecado e da morte.
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