Santidade é saber separar.

A porção desta semana da leitura da Torá é Levíticos do capítulo 9 até o capítulo 11. E o tema central desta porção é a Santidade.

Interessante que o capítulo 11 de Levíticos, que fecha a nossa leitura desta semana, trata de um assunto ignorado pelo mundo cristão.

No capítulo 11 de Levíticos o Eterno trata de carnes próprias e impróprias para comer. 

Em resumo, a ordem do Eterno sobre as carnes lícitas para alimentação é:

Animais quadrúpedes que tenham cascos fendidos e que ruminam. Aves que não sejam carniceiras. Peixes que tenham escamas e barbatanas, e insetos que usam as patas traseiras para saltar.

Todos os demais animais que não se enquadram nestas características não podem ser tidos como alimento.

Assim, segundo essa regra, os Bovinos, ovinos e caprinos são considerados alimentos, já suínos e eqüinos não, visto que os suínos não ruminam, e os eqüinos não têm o casco fendido.

Moluscos e frutos do mar, bem como peixes de couro não são considerados alimento pela Torá. Aves que comem carniça como abutres, gaviões, cegonhas, avestruzes, não são consideradas próprias para o consumo, ao passo que gafanhotos o são.

Essas regras de alimentação descritas em Levíticos 11 podem parecer bastante estranhas para alguns, e de fato a Torá não apresenta uma razão específica para considerar estas carnes próprias e aquelas impróprias para o consumo.

Segundo os rabinos este é um mandamento supra-racional, ou seja, está acima de nossa capacidade de compreender racionalmente.

Por isso mesmo este mandamento nos fala muito sobre Santidade!

Devemos nos lembrar que, nos capítulos 9 e 10, a Torá narra um fato muito grave. No capítulo 9 temos a celebração, pela primeira vez, dos sacrifícios de Yom Kippur.

Durante a celebração deste importante sacrifício, os filhos de Arão, Nadabe e Abiú são mortos, fulminados por um fogo que saiu do altar. A razão para tamanho desastre é que Nadabe e Abiú ofereceram fogo estranho (não autorizado) no altar.

Pode parecer que tenha havido muita severidade por parte do Eterno neste momento, porém, o que estava em questão era a Santidade do Eterno.

A palavra Kadosh (Santo) no hebraico significa "separado". Aquilo que é oferecido ao Eterno deve ser Santo, ou seja, deve ser "separado" para este fim. 

O Eterno havia dado ordens específicas e bem detalhadas do que seria aceito no seu altar, e o que não seria aceito no seu altar. 

Nadabe e Abiú não estavam inocentes na questão. Eles não agiram inadvertidamente. Pelo contrário, o que eles fizeram foi reflexo do descaso para com as coisas santas (separadas para Deus).

A severidade do Eterno neste episódio é explicada nas palavras ditas a Arão:

"E disse Moisés a Arão: Isto é o que o Senhor falou, dizendo: Serei santificado naqueles que se chegarem a mim, e serei glorificado diante de todo o povo. Porém Arão calou-se." Levítico 10:3.

Nadabe e Abiú, como sacerdotes do Deus Altíssimo, tinham o dever de tratar as coisas santas com o rigor e seriedade necessária.

Os rabinos explicam que, muito provavelmente, Nadabe e Abiú estavam sob efeito de álcool quando ofereceram o fogo estranho. Motivo pelo qual do capítulo 10 o Eterno adverte a Arão e seus filhos a nunca ministrarem no Tabernáculo sob efeito de álcool.

"Não bebereis vinho nem bebida forte, nem tu nem teus filhos contigo, quando entrardes na tenda da congregação, para que não morrais; estatuto perpétuo será isso entre as vossas gerações; e para fazer diferença entre o santo e o profano e entre o imundo e o limpo, e para ensinar aos filhos de Israel todos os estatutos que o Senhor lhes tem falado por meio de Moisés." Levítico 10:9-11

O fato é que Nadabe e Abiu trataram como algo comum o que deveria ser santo, e por isso foram mortos.

Na seqüência temos o capítulo 11, e podemos perguntar: qual é a relação entre o pecado de Nadabe e Abiú com a separação de carnes próprias e impróprias para alimentos?

No final do capítulo 11 podemos ter a resposta:

"Esta é a lei dos animais, e das aves, e de toda criatura vivente que se move nas águas, e de toda criatura que se arrasta sobre a terra; para fazer diferença entre o imundo e o limpo; e entre animais que se podem comer e os animais que não se podem comer." Levítico 11:46,47

Parece que o Eterno oferece um "treinamento" para que os seus servos saibam fazer separação (santidade) entre coisas puras e impuras, através da separação de alimentos.

Usar um mandamento supra-racional para oferecer este ensino é um fator relevante. 

Quando falamos em "Não matarás", facilmente podemos compreender as razões para obedecer este mandamento. Pois racionalmente podemos identificar motivos óbvios para obedecê-lo.

Mas um mandamento supra-racional está acima de nossa capacidade de, racionalmente, encontrarmos razões para obedecê-lo. Assim, a obediência a um mandamento supra-racional é fruto unicamente do reconhecimento da autoridade que deu o mandamento.

A verdadeira santidade não pode ser fruto de opiniões racionais, ou ilações pessoais sobre o que é certo ou errado, mas deve ser fruto do reconhecimento da autoridade daquele que separa para si o que deve ser seu.

Santidade compreende em separar para Deus o que é Ele tem separado para si, e não oferecer a Ele o que Ele tem recusado.

Por isso é impossível pensarmos em Santidade sem falarmos da Torá, pois é na Torá que o Eterno estabeleceu o que é santo, e o que é comum.

Neste mesmo capítulo 11 encontramos a expressão máxima da vontade do Eterno para nossas vidas:

"Porque eu sou o Senhor, que vos fiz subir da terra do Egito, para que eu seja vosso Deus, e para que sejais santos; porque eu sou santo." Levítico 11:45.

Que o Eterno nos abençoe!

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