Ao
ler os primeiros versos do capítulo 5 do evangelho de João, o leitor pode
chegar a uma conclusão errônea de que Yeshua esteve violando a lei do Shabat.
Apenas
para contextualizar, neste texto somos apresentados a um homem enfermo. Embora
o evangelista não descreva exatamente a sua enfermidade, sabemos que ele não
conseguia se mover sozinho.
É
possível constatar isso a partir de duas observações, primeiro que ele estava
constantemente em um leito, segundo que, quando o anjo agitava as águas do tanque
de Betesda, ele afirma que precisava de alguém para colocá-lo no tanque. Isso
demonstra uma grande dificuldade de locomover-se.
Yeshua
encontra este homem ali, jazendo há 38 anos desta enfermidade, com as
esperanças em uma “água agitada” que nunca conseguia alcançar devido a sua
incapacidade.
Neste
momento Yeshua apenas diz: levanta-te, toma o teu leito, e anda.
Aquele
homem imediatamente ficou curado, e, obedecendo ao que lhe foi mandado, pegou
seu leito e foi para casa. No caminho para sua casa, foi impossível aquele
homem não ser notado, pois estava carregando sua “cama”, e este era um dia de
Shabat.
O
mandamento de Deus ao seu povo era claro:
“Seis dias trabalharás, e farás toda a sua obra, mas no
sétimo dia é o Shabat do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra” Êxodo
20:9-10.
Para
complicar um pouco mais essa passagem, quando Yeshua foi arguido pelos judeus do
porque ele havia ordenado aquele homem a fazer aquilo que não era lícito fazer
no Shabat, Yeshua respondeu:
“E Jesus lhes respondeu: Meu Pai trabalha até agora, e eu
trabalho também.” João 5:17.
Diante
dessas circunstâncias, principalmente da fala de Yeshua, será que podemos
afirmar que Yeshua violava o Shabat?
O primeiro
aspecto que precisamos analisar é: por que aqueles judeus estavam considerando
que carregar um leito seria um trabalho proibido no Shabat?
Tanto
em Êxodo 20:9 como em Deuteronômio 5:13, os dois textos trazem exatamente as
mesmas palavras:
“Seis dias trabalharás, e farás todo o teu trabalho.” Deuteronômio
5:13.
A
Torá apresenta duas palavras para designar trabalho nesta frase. Primeiro
aparece a palavra “avod”, depois a palavra “melacha” (lê-se “melarrá”). Enquanto “avod” aparece mais ligado ao
trabalho servil, “melacha” está ligada ao ofício, sendo que no hebraico
moderno esta palavra é usada para artesanato.
Pela
abrangência dos significados de “avod” e “melacha” os rabinos na
antiguidade se debruçaram sobre uma importante questão: o que deve ser
considerado “trabalho” proibido no Shabat?
Conveniou-se
para os rabinos considerar 39 trabalhos que seriam considerados proibidos no Shabat.
São eles: Arar, Semear, Colher, Agrupar a colheita, Debulhar, Dispersar o grão
ao vento, Selecionar e separar, Moer, Peneirar, Fazer massa, Assar/cozinhar ou
fritar, Tosquiar, Lavar, Desembaraçar a lã não trabalhada, Tingir, Fiar,
Esticar o fio para prepara-lo para tecer, Passar o fio entre dois anéis, Tecer,
Desfazer os fios a fim de retoca-los, Atar, Desatar, Costurar, Rasgar
intencionando suturar, Caçar, Abater, Pelar o couro, Curtir o couro, Alisar o
couro, Demarcar o couro para cortá-lo, Cortar segundo uma certa medida, Escrever,
Apagar, Construir, Destruir ou demolir com a intenção de construir no local,
Acender fogo, Apagar fogo, Terminar a manufatura de qualquer objeto e Transportar
de propriedade particular para pública e vice-versa.
O
que podemos constatar em um primeiro momento é que Yeshua tinha uma visão
completamente diferente do que deveria ser considerado trabalho proibido no
Shabat. Provavelmente, a visão de Yeshua sobre o que era proibido no Shabat,
era aquilo que podemos encontrar no profeta Isaías:
“Se desviares do sábado o teu pé, e deixares de prosseguir
nas tuas empresas no meu santo dia; se ao sábado chamares deleitoso, ao santo
dia do Senhor, digno de honra; se o honrares, não seguindo os teus caminhos,
nem te ocupando nas tuas empresas, nem falando palavras vãs; então te
deleitarás no Senhor, e eu te farei cavalgar sobre as alturas da terra, e te
sustentarei com a herança de teu pai Jacó; porque a boca do Senhor o disse.” Isaías
58:13,14.
A
palavra aqui traduzida por “empresa” é “chafetzeicha” (lê-se: “rrafetzerra”)
que significa literalmente “teus objetos”. Analisando o texto no
original, podemos ver que o Eterno está falando através do profeta que o dia do
Shabat não é um dia para cuidar das coisas pessoais, dos seus bens e
propriedades, mas sim de deleitar-se no Senhor.
Outro
texto que nos ajuda a ter mais luz sobre esta questão é o mandamento referente
ao ano de Shemitá. O ano de Shemitá é o sétimo ano em que haveria de dar
descanso à terra, não plantando nem ceifando nada nela. O propósito ali
claramente era para que o povo de Israel aprendesse a confiar na provisão do
Eterno.
“E se disserdes: Que comeremos no ano sétimo? eis que não
havemos de semear nem fazer a nossa colheita; então eu mandarei a minha bênção
sobre vós no sexto ano, para que dê fruto por três anos, e no oitavo ano
semeareis, e comereis da colheita velha até ao ano nono; até que venha a nova
colheita, comereis a velha.” Levítico 25:20-22.
Outro
detalhe que não pode passar desapercebido é o que encontramos em Êxodo capítulo
23, onde lemos o seguinte:
“Seis dias farás os teus trabalhos, mas ao sétimo dia
descansarás; para que descanse o teu boi, e o teu jumento; e para que tome
alento o filho da tua escrava, e o estrangeiro.” Êxodo 23:12.
A
palavra traduzida por “alento” é “vainafash” que vem de “nefesh”
que significa “vida”, “alma”. Em outras palavras, o propósito do
Shabat era para que o “filho da escrava” tivesse revigor, vivacidade.
Analisando
estes pontos vamos perceber que o propósito do Shabat não é o de ser um dia de
inatividades, mas sim o de ser um dia de deleite, revigor, alento, vida. As proibições
com relação as atividades deste dia estariam mais ligadas ao trabalho servil, a
atividades que visavam o ganho, ou o sustento, ou seja, a atividade profissional.
Desta
forma, ao ordenar que o enfermo tomasse seu leito e voltasse para casa, mesmo
em um dia de Shabat, era o sinal de sua cura, do revigor de sua saúde, da vida
que estava sendo retomada após 38 anos de expectativas frustradas. Totalmente
alinhado ao significado básico do que é o Shabat.
Mas,
o que nos traz mais espanto é quando entendemos a fala de Yeshua:
“Meu Pai trabalha
até agora, e eu trabalho também.” João 5:17b.
Qual
seria este “trabalho” que Yeshua estava se referindo?
Ele
disse isso após realizar a cura de um enfermo no dia de Shabat, e se é algo que
podemos ver com clareza nos evangelhos é que Yeshua realizava muitas curas no
Shabat. Será que ele fazia isso apenas para contrariar a liderança judaica da
época, expressando seu desacordo com o entendimento rabínico acerca do que
seria proibido no Shabat? Ou teria uma mensagem mais profunda que Yeshua estava
passando naqueles feitos?
O
Shabat foi instituído ainda na criação, antes mesmo que houvesse pecado sobre a
terra, antes de o trabalho se tornar algo penoso para o ser humano, o Shabat já
estava lá como um sinal da criação.
“E havendo Deus acabado no dia sétimo a obra que fizera,
descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito. E abençoou Deus o
dia sétimo, e o santificou; porque nele descansou de toda a sua obra que Deus
criara e fizera.” Gênesis 2:2,3.
O
que salta aos olhos nesta narrativa é: por que a Torá diz que o Eterno “descansou”
no sétimo dia? Seria possível ao Eterno cansar-se?
Se é
impossível para Deus cansar-se, por que a Torá diz que ele descansou no sétimo
dia? Que descanso é este? O escritor da carta aos hebreus nos responde esta
questão dizendo:
“Portanto, tendo-nos sido deixada a promessa de entrarmos
no seu descanso, temamos não haja algum de vós que pareça ter falhado. Porque
também a nós foram pregadas as boas novas, assim como a eles; mas a palavra da
pregação nada lhes aproveitou, porquanto não chegou a ser unida com a fé,
naqueles que a ouviram.
Porque nós, os que temos crido, é que entramos no descanso,
tal como disse: Assim jurei na minha ira: Não entrarão no meu descanso; embora
as suas obras estivessem acabadas desde a fundação do mundo; pois em certo
lugar disse ele assim do sétimo dia: E descansou Deus, no sétimo dia, de todas
as suas obras; e outra vez, neste lugar: Não entrarão no meu descanso.
Visto, pois, restar que alguns entrem nele, e que aqueles a
quem anteriormente foram pregadas as boas novas não entraram por causa da
desobediência, determina outra vez um certo dia, Hoje, dizendo por Davi, depois
de tanto tempo, como antes fora dito: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não
endureçais os vossos corações.
Porque, se Josué lhes houvesse dado descanso, não teria
falado depois disso de outro dia. Portanto resta ainda um repouso sabático para
o povo de Deus. Pois aquele que entrou no descanso de Deus, esse também
descansou de suas obras, assim como Deus das suas.” Hebreus 4:1-10
Assim,
vemos que o Shabat é um sinal que aponta para dois momentos da história: a
Criação, e a Redenção final que se concretizará com a ressurreição dos mortos, no
dia do retorno de Yeshua.
Então,
se o Shabat aponta para a ressurreição dos mortos, nada mais nobre para celebrar
este dia do que Yeshua, o Senhor do Shabat, aquele que trará a ressurreição a
todo aquele que nEle crê, realizar curas no dia de Shabat, restaurando a vida
onde estava reinando a morte.
Este
é o trabalho do Messias, e este é o trabalho do Pai: Trazer vida e redenção a
todos os que nEle esperam.
Portanto,
quando Yeshua disse: “Meu Pai trabalha até agora, e eu também” está
apenas expressando que o verdadeiro Shabat, que é a redenção final, ainda não
chegou, e que, neste momento, o Eterno ainda está trabalhando para trazer aos
homens a redenção.
Essa
realidade torna ainda mais relevante a exortação do escritor da carta aos
Hebreus, que, diante desta constatação alerta:
“Ora, à vista disso, procuremos diligentemente entrar
naquele descanso, para que ninguém caia no mesmo exemplo de desobediência. Porque
a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de
dois gumes, e penetra até a divisão de alma e espírito, e de juntas e medulas,
e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração.
E não há criatura alguma encoberta diante dele; antes todas
as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele a quem havemos de prestar
contas.” Hebreus 4:11-13.
Enquanto
o Pai estiver trabalhando, ainda há para nós a oportunidade de arrependermos de
nossos pecados, e voltarmos a Ele, para encontrarmos nEle salvação. Yeshua não
se opôs ao Shabat, muito pelo contrário. Yeshua ressaltou e valorizou seu
verdadeiro significado: a memória da nossa redenção.
Ao
profeta Ezequiel o Eterno disse:
“E também lhes dei os meus sábados, para que servissem de sinal
entre mim e eles; para que soubessem que eu sou o Senhor que os santifica.” Ezequiel
20:12.
O Shabat deve trazer para nós dois sentimentos muito fortes;
o sentimento de alegria pela salvação que em breve virá; e o temor para
dirigirmos nossas vidas pautadas nessa realidade, lutando contra o pecado,
arrependendo dos nossos erros, buscando praticar a justiça, vivendo em
fidelidade.
Eu termino este artigo apresentando as palavras finais do capítulo
4 da carta aos Hebreus:
“Tendo, portanto, um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de
Deus, que penetrou os céus, retenhamos firmemente a nossa confissão. Porque não
temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém
um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemo-nos, pois,
confiadamente ao trono da graça, para que recebamos misericórdia e achemos
graça, a fim de sermos socorridos no momento oportuno.” Hebreus 4:14-16.
Que o Eterno nos abençoe!
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