Quem são os “judaizantes”?



O termo “judaizante” tem sido bastante usado atualmente. Basta ver um pastor ou líder evangélico usando Talit ou Kipá e automaticamente o rótulo é adquirido: Fulano é um “judaizante”.

A bem da verdade é que a maioria desses que aparecem na televisão, ou no Youtube, transvestidos de judeus não sabem quase nada de judaísmo, e se utilizam de um personagem para chamar atenção e angariar seguidores. No entanto, apesar de serem chamados de judaizantes, eles estão longe de o serem na verdade.

De fato, há a necessidade de cuidado quanto a essa questão. Pois as práticas desses, e dos verdadeiros judaizantes, são igualmente nocivas à fé.

O termo judaizante é usado para designar aqueles que, sendo judeus ou não, impõe práticas comuns do judaísmo a outros, como obrigatórios à fé. Os judaizantes alegam que apenas o judaísmo é detentor da verdade, a religião verdadeira.

Este foi o primeiro grande problema tratado pelos apóstolos no Novo Testamento.

Em Atos 15:1 encontramos: “Então alguns que tinham descido da Judéia ensinavam assim os irmãos: Se não vos circuncidardes conforme o uso de Moisés, não podeis salvar-vos”.

A premissa destes irmãos fariseus, crentes em Yeshua, pertencentes a um partido da comunidade dos crentes denominada de “os da circuncisão” tinha raízes profundas em uma questão étnica.

Bem antes deste episódio vamos encontrar em Atos 6:1 o seguinte problema: “Ora, naqueles dias, crescendo o número dos discípulos, houve uma murmuração dos gregos contra os hebreus, porque as suas viúvas eram desprezadas no ministério cotidiano”.

Vamos entender a relação entre essas duas passagens.

O termo “gregos” em Atos 6:1 é atribuído aos gentios que haviam se convertido ao judaísmo, sendo também chamados de prosélitos. Esses gentios prosélitos conheceram a mensagem do evangelho, e creram em Yeshua como o Messias, assim como outros judeus, descendentes de Abraão.

Esses prosélitos eram vistos por alguns judeus como “judeus de segunda linha”, pessoas não tão nobres quanto aqueles que eram de fato descendentes de Abraão.

Este clima de animosidade entre este grupo de judeus e os prosélitos que havia em Jerusalém acabou contaminando também a comunidade dos discípulos. O que aconteceu em Atos 6 foi uma consequência do clima que já havia em Jerusalém.

Lembremos que em Atos 6 haviam apenas judeus e prosélitos (gentios convertidos ao judaísmo) crentes em Yeshua. O primeiro gentio de fato a crer em Yeshua sem ser um convertido ao judaísmo foi o centurião Cornélio.

Apesar de o texto evidenciar que Cornélio estava seguindo alguns ensinos da Torá e da tradição judaica, como prática da Tzedaká (traduzida em nossas bíblias como “esmolas”) e orações da Minchah (oração da hora nona) ele não havia se convertido ao judaísmo. É muito provável que não o fez devido a sua função de centurião romano.

Mas mesmo sem ser um prosélito do judaísmo, sendo um gentio, Cornélio creu em Yeshua, e foi cheio do Espírito do Eterno. Atos 10 foi o marco do ingresso de todos os homens no Reino de Deus mediante a Fé em Yeshua. A partir deste acontecimento a comunidade em Antioquia se tornou uma base missionária, enviando Shaul e Barnabé para as regiões da Galácia anunciando o evangelho tanto a judeus como a gentios.

Para aqueles judeus que não aceitavam bem os prosélitos, a inclusão de gentios à comunidade dos discípulos foi um duro golpe. Esses passaram a ser designados como pertencentes ao partido “dos da circuncisão”. Eles defendiam que não era possível receber a graça da Salvação sem a conversão ao judaísmo.

Por isso saíram às regiões de Antioquia e Galácia persuadindo os crentes dentre os gentios a se fazerem judeus. A persuasão desses era tamanha que, segundo Shaul, quase convenceram até Barnabé: “E os outros judeus também dissimulavam com ele, de maneira que até Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação”. Gálatas 2:13.

Este é o pano de fundo da carta de Shaul aos Gálatas. Shaul escreve sua carta aos Gálatas para condenar o legalismo anunciado pelos “da circuncisão” que obrigava os gentios a se fazerem judeus para que pudessem alcançar a Graça do Eterno. Ao exortar Pedro, Shaul lembra-lhe de como eles alcançaram a redenção:

“Nós somos judeus por natureza, e não pecadores dentre os gentios. Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada”. Gálatas 2:15,16.

Foi contra essa premissa que tanto Shaul, como Tiago e Pedro, fizeram suas recomendações em Atos 15:

“Por isso julgo que não se deve perturbar aqueles, dentre os gentios, que se convertem a Deus. Mas escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, da fornicação, do que é sufocado e do sangue. Porque Moisés, desde os tempos antigos, tem em cada cidade quem o pregue, e cada sábado é lido nas sinagogas”. Atos 15:19-21.

Aqui é que começa toda a confusão que atualmente se faz sobre o rótulo de “judaizante”, atribuído hoje a quem procura aprender as Escrituras em seu contexto original, e viver de forma integra com sua fé.

A decisão do colégio apostólico não foi o de condenar a pratica da Torá, mas o de condenar a obrigatoriedade da observância da Torá com o objetivo de alcançar a redenção:

“Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais nem nós pudemos suportar? Mas cremos que seremos salvos pela graça do Senhor Jesus Cristo, como eles também”. Atos 15:10,11.

O mesmo colegiado recomenda:

“Porque Moisés, desde os tempos antigos, tem em cada cidade quem o pregue, e cada sábado é lido nas sinagogas”. Atos 15:21.

Era da vontade dos apóstolos que os gentios aprendessem a Torá aos sábados, nas sinagogas. Assim, com entendimento e fé, colocassem em prática aquilo que lhes fosse possível.

Aproximadamente 20 anos após este concílio em Jerusalém, o império romano executou Shaul, Tiago e Pedro, e o sentimento de antissemitismo começou a crescer na comunidade dos discípulos gentios. Já no início do segundo século encontramos líderes da comunidade gentílica condenando não apenas o antigo testamento, como o próprio Deus.

Marcião ensinava que haviam dois deuses, um perverso do antigo testamento, e um benéfico do novo testamento. O que estava por trás da heresia de Marcião era a repugnância a tudo o que era judaico na fé “cristã”.

Outros líderes surgiram em séculos posteriores, destilando venenos contra o povo judeu. João Crisóstomo, Ambrósio e até Agostinho todos eles não apenas condenaram os judeus como qualquer um que seguissem qualquer de suas práticas.

Foi neste tempo que a observância do Sábado foi substituída pela observância do domingo. A festa de Páscoa foi “cristianizada”, sendo mudado o dia de celebração, os elementos, e o objetivo.

Surgia o catolicismo romano, que criara uma religião avessa ao judaísmo, mas que apresentava o mesmo veneno que os judaizantes lançaram no início, o de que era necessário a conversão à instituição cristã para alcançar a graça do Eterno.

A religiosidade é o veneno que está por trás desses dois extremos.

Atualmente o rótulo de “judaizantes” tem sido empregado a aqueles que desejam restaurar as origens de sua fé. Compreender as Escrituras em seu contexto original, o contexto judaico.

Nosso objetivo não é o judaísmo. Nosso objetivo é restaurar as raízes de nossa fé, entendendo que há lugar no Reino de Deus para judeus e gentios. Que a Torá tem seu papel de extrema relevância em nossa fé, ao mesmo tempo que não é obrigatória para a Salvação.

Cremos que todos aqueles que buscam ao Eterno com sinceridade podem alcançar a sua misericórdia através do sacrifício do Filho de Deus. Mas que este é apenas o início de nossa caminhada como servos do Eterno. É desejável também que busquemos crescer em graça e conhecimento do Eterno. E é por isso que buscamos aprender e praticar a Torá.

Precisamos entender que Torá é a Instrução do Eterno para todos aqueles que desejam adquirir a sabedoria do alto.


Que possamos compreender e aprender do Eterno através da sua Torá.

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