Importa o que comemos?

Levítico capítulo 11 claramente trás recomendações sobre carnes de animais que podem ser ingeridas, e carnes de animais que devem ser tidas como impuras.

Além disto, a Torá trás situações em que carnes de animais puros (que podem ser ingeridos), devam ser considerados impuros, como é o caso do animal que é devorado por outro no campo, ou quando o animal morre de causas naturais (Lv 17:15).

De outro lado, vamos encontrar o rabino Shaul (apóstolo Paulo) escrevendo aos romanos as seguintes palavras:

"Eu sei, e estou certo no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma imunda, a não ser para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda. Mas, se por causa da comida se contrista teu irmão, já não andas conforme o amor.
Não destruas por causa da tua comida aquele por quem Cristo morreu.
Não seja, pois, blasfemado o vosso bem; porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo." Romanos 14:14-17.

A partir desta aparente contradição entre a Torá, e a palavra do apóstolo, os teólogos cristãos fortalecem o discurso de que parte da Torá foi abolida pelo advento da Nova Aliança.

Mas, será esta uma leitura correta do que Shaul (Paulo) estava escrevendo?

Os dois primeiros versos do capitulo 14 de Romanos devem nos levar a uma contextualização, pois ele diz:

"Ora, quanto ao que está enfermo (fraco) na fé, recebei-o, não em contendas sobre dúvidas. Porque um crê que de tudo se pode comer, e outro, que É FRACO, come legumes." Romanos 14:1,2.

O grande mistério da Nova Aliança que Shaul sempre defendeu é o ingresso dos gentios ao povo de Deus através da obra de Yeshua (Jesus). Para isto encontramos base tanto na Torá como nos Profetas.

Porém, este ingresso não aconteceu sem que houvessem problemas a serem tratados. Aliás, esta foi a causa do primeiro concílio de Jerusalém registrado em Atos 15.

Dentre os gentios que adentravam à fé no Deus de Israel, alguns deles vinham de movimentos filosóficos muito fortes na época do primeiro século, um destes movimentos era o estoicismo.

A ênfase do estoicismo era a supressão das paixões e dos desejos carnais, e a identificação de que tudo o que era material era por natureza má.

Assim, para os estóicos, comer carne, e qualquer tipo de carne, era algo que maculava o espírito humano, fazendo-o mais terreno e menos espiritual.

Eram estes que Shaul estava designando como "enfermos" e "fracos" na fé, tanto pela falta de conhecimento das Escrituras, como pela superstição a qual suas consciências estavam sujeita.

Imagine um estóico que, acreditando que comer carne era algo maléfico, fosse convidado para o jantar de Pessach na sinagoga, tendo como prato principal um cordeiro assado? O estóico acusando o judeu de comer carne, e o judeu acusando o estóico de ser um neófito.

Este era o tipo de problema que Shaul estava tratando quando escreveu o capitulo 14 de romanos. E a tônica que ele adota nos versos seguinte é o da conciliação:

"O que come não despreze o que não come; e o que não come, não julgue o que come; porque Deus o recebeu por seu. Quem és tu, que julgas o servo alheio? Para seu próprio senhor ele está em pé ou cai. Mas estará firme, porque poderoso é Deus para o firmar." Romanos 14:3,4.

Diante deste cenário de dúvidas e confusão sobre a questão dos alimentos, Shaul elenca o aspecto mais importante da Torá: o Amor.

Tiago faz alusão ao mesmo princípio quando diz:

"Irmãos, não faleis mal uns dos outros. Quem fala mal de um irmão, e julga a seu irmão, fala mal da lei, e julga a lei; e, se tu julgas a lei, já não és observador da lei, mas juiz." Tiago 4:11.

O mérito do discurso de Shaul não é o que se pode comer ou não comer, o mérito do discurso de Shaul é o julgar e condenar aquele que come ou não come.

Por mais fraco e enganado que o estóico estivesse, ele ainda teria sido alvo do amor de Deus, creu em Yeshua como seu Senhor e Salvador, estava conhecendo aos poucos a Torá e se firmando na fé.

A recomendação de Shaul então era para tratar o fraco com amor, suportando-o nas suas limitações, e respeitando suas debilidades.

Neste momento então que Shaul faz sua colocação:

"Eu sei, e estou certo no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma imunda, a não ser para aquele que A TEM por imunda; PARA ESSE é imunda." Romanos 14:14.

Será que Shaul está contrariando a recomendação de Levítico 11? Ou será que ele a está confirmando? Veja o texto:

"Destes, porém, não comereis; dos que ruminam ou dos que têm unhas fendidas; o camelo, que rumina, mas não tem unhas fendidas; esse VOS SERÁ imundo;" Levítico 11:4.

Segundo Shaul, nenhuma coisa é imunda de si mesma a não ser para quem a considera imunda; e, segundo a Torá, a carne de animais que não tem unhas fendidas e nem ruminam, devem ser imundas para quem as considerar.

Shaul está em consonância com a Torá, colocando que, para quem considera a instrução da Torá, tais carnes são imundas. Quem ignora as considerações da Torá, as carnes não são imundas. A impureza não está na carne em si, mas na consideração que se faz a partir da instrução do Eterno.

Veja como o Eterno conclui a instrução de Levítico 11:

"Esta é a lei dos animais, e das aves, e de toda criatura vivente que se move nas águas, e de toda criatura que se arrasta sobre a terra; para fazer diferença entre o imundo e o limpo; e entre animais que se podem comer e os animais que não se podem comer. Levítico 11:46,47.

A impressão que temos quando estudamos todo o capítulo 11 é que o Eterno propõe um exercício simples a partir da separação de alimentos, para ensinar-nos conceitos de Santidade, ou seja, a separação do puro e do impuro.

Corrobora com este pensamento a condenação imposta a quem comer uma carne impura:

"E quem comer do seu cadáver lavará as suas vestes, e será imundo até à tarde; e quem levar o seu corpo morto lavará as suas vestes, e será imundo até à tarde." Levítico 11:40.

Quem comer da carne impura, será impuro até a tarde, sendo automaticamente purificado sem a necessidade de nenhum rito especial.

Assim, a própria Torá trata a questão dos animais impuros não como pecado, mas como impureza, e em uma situação em importância bem menor que outros mandamentos como "amar ao próximo como a si mesmo".

Shaul ainda defende, neste capítulo, que cada um deve andar conforme a sua consciência. Devemos estar certos do que fazemos ou deixamos de fazer. O que não fizermos por fé é pecado.

Portanto, Shaul não está contrariando, nem anulando o que a Torá diz sobre alimentos, está apenas ensinando que, acima deste mandamento, deve estar o amor ao próximo e o respeito.

Mas e nós? Devemos ou não obedecer aos ensinos da Torá em Levítico 11?

"Tens tu fé? Tem-na em ti mesmo diante de Deus. Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo naquilo que aprova." Romanos 14:22.

Que o Eterno nos abençoe!

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