Ananias e Safira

Atos dos Apóstolos fecha o capítulo 4 falando sobre um costume que se tornou comum entre os discípulos de Yeshua. Aqueles que tinham posses vendiam suas propriedades, e depositavam seus lucros aos pés dos apóstolos, provendo assim sustento aos mais necessitados entre os discípulos, de forma que o registro bíblico afirma que não havia necessitados entre os discípulos.

“Não havia, pois, entre eles necessitado algum; porque todos os que possuíam herdades ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido, e o depositavam aos pés dos apóstolos. E repartia-se a cada um, segundo a necessidade que cada um tinha.” Atos 4:34-35.

Este costume é bastante interessante, pois a Judéia no primeiro século vivia um tempo de grande crise econômica. Em momentos de crises, as pessoas tendem a serem menos caridosas, evitando gastos.

Mas, entre os discípulos de Yeshua havia outro sentimento, eles agiam não baseados nas circunstâncias, mas, tendo os corações transformados pelo Espírito do Eterno, e tendo a Torá escrita em seus corações, suas práticas eram pautadas pelas instruções da Torá que diz:

“Quando entre ti houver algum pobre, de teus irmãos, em alguma das tuas portas, na terra que o Senhor teu Deus te dá, não endurecerás o teu coração, nem fecharás a tua mão a teu irmão que for pobre; antes lhe abrirás de todo a tua mão, e livremente lhe emprestarás o que lhe falta, quanto baste para a sua necessidade.” Deuteronômio 15:7-8.

Devido aos exageros atuais que este tema carrega é necessário pontuar que, esta prática de vender bens e doar aos apóstolos era uma forma encontrada por esses discípulos de cumprir o mandamento da Torá, e era exercida por quem tinha bens para isso. Além disto, esta prática era voluntária, nascida de um sentimento de empatia pelos menos afortunados. Assim, os mais ricos vendiam parte de seus bens para distribuir para os mais pobres, e isso de forma voluntária.

Não havia nenhuma imposição dos apóstolos para que isso acontecesse, nem era exigido de ninguém que essa prática fosse realizada, e o objetivo desta prática era unicamente ajudar aqueles que eram pobres.

A função dos apóstolos neste esquema era de apenas distribuir os donativos de forma igualitária e justa entre os necessitados. Tanto que, mais a frente, esta função deixa de ser realizada pelos apóstolos e passam a ser coordenadas pelos diáconos (Atos 6:1-3).

Infelizmente, nos dias atuais, o que vemos em algumas igrejas são líderes extremamente ricos, exigindo de seus fiéis pobres que vendam seus bens para sustentarem e deixarem mais ricos os seus líderes. Isto é de fato uma lástima.

Porém, muito distante deste sentimento de cooperação, e de obediência a aquele princípio da Torá, chamado em hebraico de Tzedaka (justiça social), explicitado em Dt 15:7-8, encontramos logo no início do capítulo 5 um triste relato.

Ananias e Safira, um casal de judeus crentes em Yeshua, e que faziam parte da comunidade de Jerusalém, e que tinham uma condição financeira boa, venderam uma propriedade com o intuito de realizar a Tzedaka. Mas, ao depositar o valor aos pés de Pedro, disseram que aquele era todo o valor arrecadado com a venda da propriedade, sendo que, na verdade, eles haviam ficado com uma parte deste valor.

Como vimos, a prática de vender os bens e dar aos apóstolos para a Tzedaka não era uma obrigação. Nem eram obrigados a depositar sempre o valor total da venda aos apóstolos. Porque então Ananias e Safira mentiram quanto ao valor da venda do terreno?

Ananias e Safira foram ludibriados por um sentimento nada nobre. Eles desejaram fazer o que fizeram apenas para aparecer aos demais discípulos que eram piedosos. Fizeram não pelo sentimento de ajudar o próximo, mas com o interesse de se auto promoverem na comunidade dos discípulos.

Pedro repreende a Ananias dizendo:

“Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, e retivesses parte do preço da herdade? Guardando-a não ficava para ti? E, vendida, não estava em teu poder? Por que formaste este desígnio em teu coração? Não mentiste aos homens, mas a Deus.” Atos 5:3-4.

Ananias poderia muito bem vender a propriedade e doar apenas uma parte, poderia até mesmo continuar com a propriedade, ou, vendê-la e ficar com todo o valor. O problema foi que eles usaram de um sentimento legítimo, que estava contagiando o corpo dos discípulos, para deturpar e espalhar o orgulho, a vaidade, a autopromoção e a religiosidade. O que eles queriam era apenas serem vistos pelos homens.

Yeshua havia acusado esta mesma prática que viu acontecer entre os hipócritas quando ensinou:

“Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás, não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus. Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita; para que a tua esmola seja dada em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, ele mesmo te recompensará publicamente.” Mateus 6:1-4.

De maneira inesperada, o juízo de Deus caiu sobre Ananias e Safira, e ambos morreram no mesmo dia, imediatamente após ouvirem de Pedro a sua acusação.

Mesmo considerando que o que Ananias e Safira fizeram foi algo totalmente errado e condenável, nos causa espanto a maneira como tão severamente foram punidos pelo Eterno. Afinal, pessoas como Ananias e Safira temos visto o tempo todo em nossas igrejas, e nem por isso estamos vendo pessoas serem fulminadas por este pecado.

Porque no caso de Ananias e Safira a condenação de seus pecados se manifestou de maneira tão rápida e violenta?

Aqui vamos entender um princípio muito interessante nas Escrituras. Sempre que vemos poderosas manifestações do Eterno, comprovando a sua presença em meio ao seu povo, vamos ver também seu juízo acontecendo de forma mais severa.

Foi assim com Nadabe e Abiú, que foram fulminados diante do Eterno por oferecerem fogo estranho. Da mesma forma temos os vários momentos de juízo que recaíram sobre o povo no deserto. E não esqueçamos o que aconteceu com o exército de Israel quando perderam a batalha contra Aí por causa do pecado de Acã.

Sempre quando o Eterno esteve muito próximo de seu povo, as manifestações de juízo foram também mais evidentes. E o Eterno nos ensina sobre a razão disto:

“E disse Moisés a Arão: Isto é o que o Senhor falou, dizendo: Serei santificado naqueles que se chegarem a mim, e serei glorificado diante de todo o povo. Porém Arão calou-se.” Levítico 10:3.

O Eterno age desta forma para que haja um testemunho fiel a respeito de sua posição quanto às iniqüidades, e assim produzir o temor necessário nos corações daqueles que o buscam. De fato, o relato bíblico atesta que, diante dos acontecimentos que envolveram Ananias e Safira, houve temor entre todos os discípulos.

Este “temor” não pode ser entendido como “medo”, mas como “respeito”. A partir da história de Ananias e Safira, ninguém pode considerar-se ignorante ao agir de forma fraudulenta quando à fé. Pois, todos nós sabemos como o Eterno vê tal procedimento.

Usar de práticas lícitas, de obediência e de piedade, para se auto promover, mentir para parecer ser mais santo, objetivar suas ações ou falas para receber mais atenção e ser louvado pelos homens, todas esses costumes é visto pelo Eterno como um pecado grave. Sendo necessário arrependimento e transformação.

O objetivo de praticar os mandamentos da Torá não pode ser buscar glória e honra para si, mas sim a prática de uma fé não fingida, conforme nos ensinou o rabino Shaul:

“Ora, o fim do mandamento é o amor de um coração puro, e de uma boa consciência, e de uma fé não fingida.” 1 Timóteo 1:5.

Que tenhamos temor ao Eterno, considerando nossos atos e nossas intenções à Luz da Torá e de Yeshua, e que não sejamos reprovados como Ananias e Safira.

Que o Eterno nos abençoe!

#AnaniasESafira #MentirADeus
#Falsidade #Mentira #AutoPromoção
#Religiosidade

Comentários