Impurezas do coração.

Marcos capítulo 7 é um texto importantíssimo, onde Yeshua (Jesus) trás um ensino muito relevante para nós. Infelizmente, uma narrativa tendenciosa tem ocultado este ensino, e transformado este texto em um suporte para aqueles que alegam a anulação da Torá pela nova aliança, o que na verdade, é exatamente o oposto do que o texto diz.

Toda a contradição surge por causa do verso 19, onde algumas traduções dizem o seguinte: “‘Será que vocês também não conseguem entender? ‘, perguntou-lhes Jesus. ‘Não percebem que nada que entre no homem pode torná-lo ‘impuro’? Porque não entra em seu coração, mas em seu estômago, sendo depois eliminado’. Ao dizer isto, Jesus declarou ‘puros’ todos os alimentos.” Marcos 7:18-19 (tradução NVI).

Segundo essa tradução, Yeshua estaria se opondo ao ensino da Torá em Levítico 11, onde a Torá declara uma série de animais cujas carnes seriam consideradas impuras, e quem comesse delas seria impuro até à tarde.

Neste artigo, não vamos entrar muito em detalhes a respeito das leis alimentares da Torá, mas precisamos, antes de avançar neste estudo, estabelecer o erro que há sobre esta tradução. No mesmo texto, Yeshua acusa os fariseus de anularem a Torá com base nas suas tradições:

“E dizia-lhes: Bem invalidais o mandamento de Deus para guardardes a vossa tradição. Porque Moisés disse: Honra a teu pai e a tua mãe; e quem maldisser, ou o pai ou a mãe, certamente morrerá. Vós, porém, dizeis: Se um homem disser ao pai ou à mãe: Aquilo que poderias aproveitar de mim é Corbã, isto é, oferta ao Senhor; nada mais lhe deixais fazer por seu pai ou por sua mãe, invalidando assim a palavra de Deus pela vossa tradição, que vós ordenastes. E muitas coisas fazeis semelhantes a estas.” Marcos 7:9-13.

Apenas para contextualizar a fala de Yeshua, na tradição judaica do primeiro século existia o corbã, onde o judeu consagrava seus bens ao Templo. Assim, todos os recursos ficavam sendo do Templo, mas o usufruto continuava sendo daquele que ofertou. E se alguém utilizasse deste recurso, ficaria desobrigado de sustentar os pais na velhice, como ordenava a Torá, pois tudo o que tinha estava destinado ao Templo.

Qual a coerência em acusar os fariseus de estarem anulando a Torá através de uma tradição, e logo na seqüência também anular a Torá, dizendo que um mandamento explícito da Torá não tem valor? Na verdade, se Yeshua estivesse invalidando as leis de Levítico 11, ele estaria contradizendo a si mesmo, fazendo o mesmo que aqueles fariseus faziam com a questão do “corbã”.

Se atentarmos para outra tradução, a Almeida Corrigida e Fiel, que é uma tradução mais literal do texto grego, vamos encontrar uma idéia muito diferente nas palavras de Yeshua: “E ele disse-lhes: Assim também vós estais sem entendimento? Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não entra no seu coração, mas no ventre, e é lançado fora, ficando puras todas as comidas?” Marcos 7:18-19 (tradução ACF).

A idéia que encontramos na tradução ACF, que é exatamente a mesma idéia estampada no texto original, é que o processo de “ser lançado fora do ventre” é o que faz “puras todas as comidas”. Ou seja, ao defecar, o corpo elimina aquilo que de impuro havia entrado no ventre. Esta idéia não está fora do que a Torá ensina sobre as leis alimentares, pois aquele que comia algo impuro, ficava impuro até a tarde ( Lv 11:40), sem a necessidade de nenhum rito especial de purificação. A impureza alimentar é uma impureza transitória e física, que, ao ser eliminado do organismo, volta ao estado de “pureza” inicial.

Assim, Yeshua afirma exatamente o que ensina a Torá no que diz respeito à impurezas que advém de comer algo impuro. Não diminui, nem desqualifica o mandamento, apenas expõe que há um tipo de impureza mais importante, do qual devemos nos precaver, a impureza que vem do coração.

“E dizia: O que sai do homem isso contamina o homem. Porque do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as fornicações, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem.” Marcos 7:20-23.

Lembrando que, toda a discussão começou porque alguns fariseus acusaram os discípulos de se alimentarem sem observarem os ritos de purificação e lavagem das mãos, ritos estes estipulados pela tradição judaica, e não pela Torá. Assim, a admoestação de Yeshua era no sentido de: o que adianta tanto rigor na lavagem das mãos, dos pratos e dos jarros, para evitar comer qualquer coisa com impurezas, se não há o mesmo rigor para com os pensamentos e desejos provenientes da inclinação carnal?

Mas a religiosidade humana tem a primazia em perverter as coisas que o Eterno nos dá, usando aquilo de bom que Deus estabeleceu para produzir o mal. Isso é o que Yeshua mais combate neste texto de Marcos 7.

“E ele, respondendo, disse-lhes: Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim; em vão, porém, me honram,ensinando doutrinas que são mandamentos de homens.” Marcos 7:6-7.

A religiosidade consiste no uso da religião para instituir normas de procedimentos. Religião é a organização de credos, filosofia e cultura, que orientam uma classe de pessoas no seu culto a Deus. A religiosidade é a qualidade daquele que atribui à religião o meio pelo qual declara ser o certo, e o errado, na conduta em relação a Deus.

O Eterno instituiu apenas uma religião, para usar o sentido primário da palavra, que em latim significa “religar o homem a Deus”. Esta religião instituída por Deus é seu Filho Yeshua. E o cerne desta religião é o que está declarado pelo apóstolo Tiago:

“A religião pura e imaculada para com Deus e Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo.” Tiago 1:27.

Qualquer tentativa de estabelecer normas e procedimentos, além daquelas definidas na Torá, e impor isto a outros, ou julgar a conduta do próximo mediante suas convicções pessoais, consiste em religiosidade e hipocrisia.

E a hipocrisia religiosa se manifesta no zelo aos ritos, normas e procedimentos oriundos da religião, e, em certa medida, o desprezo aos mandamentos da Torá. De forma que, quando confrontado em suas convicções, o religioso terá como primeiro efeito rejeitar a Torá e reafirmar suas convicções religiosas.

A religiosidade é, em certa medida, um agente que evidencia a impureza natural do homem, visto que ela alimenta as suas convicções pessoais, e aquilo ao qual seu coração é inclinado. Quantos já não viram religiões sendo formadas para sustentar desejos carnais que claramente são condenadas na Torá? Seja o adultério, com religiões que aprovam a bigamia, a pedofilia, e tantas outras depravações sexuais, seja a idolatria, com religiões que aprovam o uso de imagens de esculturas e cultos em louvor a personalidades, seja o orgulho, com religiões que ensinam uma “eleição” estranha às Escrituras, e uma falsa intelectualidade. 

O remédio contra este mal é ensinado por Yeshua neste mesmo texto de Marcos 7: “E dizia: O que sai do homem isso contamina o homem. Porque do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as fornicações, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem.” Marcos 7:20-23.

Enquanto o religioso procura nas religiões a aprovação para suas inclinações carnais, apaziguando a própria consciência, o verdadeiro discípulo de Yeshua vai pesar todos os seus desejos e pensamentos na balança da Torá, e, procurar em Deus, viver de forma a agradar ao Eterno que o fez.

Devemos estar atentos a aquilo que tem o poder de contaminar de forma permanente nossa consciência, nos fazendo realmente impuros diante do Eterno. Devemos estar atentos às inclinações de nosso coração, e para isso é fundamental colocar nosso caráter diante do espelho da Torá, para conhecer nossa velha natureza, e buscar em Yeshua o perdão e a transformação que só Ele é capaz de promover.

Que o Eterno nos abençoe!
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